Reproduzo a entrevista ao Prof. António Sarmento Director do Wave Energy Centre acerca das potencialidade da energia das ondas e sua aplicação em Portugal
A energia das Ondas representa teoricamente a maior fonte de energia renovável na Terra. Qual a razão para a qual este tipo de energia esteja na retaguarda em termos de produção de energia através de fontes renováveis?
Existem vários motivos para este facto. Em primeiro lugar os estudos começaram de raiz em 1974, não havendo antes grande suporte técnico-científico, pelo que as pesquisas não têm mais de 30 anos de existência. Em segundo lugar é uma tecnologia que tem bases muito diferentes de outras. Pensando na energia Eólica, também existiram grandes dificuldades tecnológicas apesar de ser uma tecnologia relativamente simples, já que existiam turbinas e geradores, centrando-se os maiores problemas nas questões estruturais e de fadiga.
No início dos anos 70 houve um interesse pela construção de sistema eólicos experimentais em Portugal. Na energia eólica assim como na energia solar foi possível iniciar estudos com sistemas relativamente pequenos e de “baixo custo”. Isto não foi possível com a energia das Ondas, constituindo um dos principais motivos de atraso.
No caso da energia das Ondas existe uma relação entre a dimensão dos dispositivos de extracção e o comprimento de onda. Um comprimento de onda entre 100 e 150 metros leva à construção de uma estrutura de grande dimensão. Por outro lado estas estruturas têm que ser robustas de modo a resistirem ao impacto das ondas. Por outro lado, por se tratar de um fenómeno ondulatório, estes dispositivos são mais complexos tecnologicamente, sendo necessários grandes investimentos - um projecto completo (desde os estudos preliminares até a fase de implementação) é da ordem dos 15 milhões de Euros. A energia das Ondas é uma tecnologia que não pode começar por ser um projecto pequeno.
Actualmente estamos numa fase de viragem. Houve uma fase inicial, de 1975 a 1980, que passou por desenvolvimentos teóricos, ensaios em laboratório e modelos numéricos, a que se seguiu na década de 80 a construção dos primeiros protótipos. Contudo só na década de 90 foram construídos protótipos que obtiveram algum sucesso. Após cerca de 30 anos de investigação e desenvolvimento surgiram quatro tecnologias diferentes que atingiram a fase de central piloto com testes no mar, o que revela uma ter a energia das ondas atingido uma fase de alguma maturidade. Os próximos anos vão ser decisivos e vão mostrar qual ou quais destas tecnologias têm potencial para prosseguir o desenvolvimento. É claro que outras tecnologias de aproveitamento de energia das ondas estão em fases mais atrasadas de desenvolvimento e poderão atingir entretanto a fase de construção e teste no mar de central piloto.
E em Portugal? Qual é o panorama actual? Temos projectos-pilotos. E os resultados têm sido atractivos economicamente? Já existem centrais de produção a funcionar. Estará ainda em fase muito académica?
Em Portugal existem dois exemplos avançados: o Pico e o AWS. Relativamente ao projecto do Pico, este arrancou em 1994, financiado pela Comunidade Europeia, pela EDA (Electricidade dos Açores) e pela EDP, e mais tarde pelo Governo Português. Numa primeira fase iniciou-se a construção das infra-estruturas e numa segunda fase a construção e instalação do equipamento. A central do Pico foi uma central que nunca entrou em funcionamento contínuo como unidade produtora de energia, tendo funcionado apenas em períodos de ensaios experimentais. Isto deve-se a diversos problemas, não ao nível do projecto da central, que está bem concebido, mas de equipamentos acessórios (válvulas, entre outros) que foram mal concebidos, comprometendo o funcionamento da central.
O acesso à central é outro factor que atrasa muito todo este processo, apenas no Verão é possível proceder a verificações ou reparações que são programadas com intervalos de quase um ano. Isto porque tudo tem de ser programado a partir do continente inclusivamente a deslocação de equipas de pessoal especializado para as obras de reparação.
Outra grande dificuldade tem sido o financiamento. Os encargos foram muito maiores do que o previsto, criando um “desgaste” das empresas investidoras. Houve por isso a necessidade de criar condições para dar resposta às dificuldades referidas. Felizmente neste ano de 2003, foi criado o Centro de Energia das Ondas (WEC – Wave Energy Centre) que agrupa um conjunto de empresas e instituições, entre os quais o IST e o INETI, e onde foi possível encontrar um grupo de entidades interessadas em reactivar o projecto do Pico, como a EFACEC, a Consulmar e a empresa Irmãos Cavaco. A EDA e a EDP integram, igualmente, o Centro e contribuem também neste esforço de recuperar a central do Pico. Muito recentemente foi apresentada uma candidatura de financiamento ao POE (Plano Operacional da Economia) e temos esperanças que dentro de breve a central esteja de novo operacional.
Quanto ao AWS, que é um dispositivo submerso, foi desenvolvido por uma empresa holandesa, a AWS B.V., em colaboração com diversas entidades, entre as quais o IST. Existe uma central piloto ancorada no porto de Leixões que deverá ser submergida ao largo da Póvoa de Varzim. A operação de submersão (que deve ser feita de forma controlada para evitar um impacto excessivo quando a unidade chegar ao fundo do mar) é mais complexa do que se pensava, não tendo permitido instalar o dispositivo em 2002. No ano de 2003 foi desenvolvido um novo método que deverá permitir submergir a central piloto em 2004, se entretanto os problemas de ordem financeira forem resolvidos, como esperamos.