sábado, janeiro 03, 2004

Por que falha a Energia Solar em Portugal?

Privilegiado pela riqueza soalheira e dotado de incentivos financeiros atraentes, o país aguarda que a indústria e a comunidade científica respondam ao desafio de aproveitar o sol para fins energéticos, nomeadamente através da adopção massiva de sistemas fotovoltaicos

A privilegiada riqueza do recurso solar em Portugal é algo com que convivemos no dia-a-dia, embora esteja tão interiorizada que muitas vezes só lhe damos valor quando viajamos para destinos menos soalheiros. Numa época em que o desenvolvimento sustentável e, em particular, a utilização de recursos renováveis para a produção de electricidade, se encontram na primeira linha do discurso político, vale a pena reflectirmos sobre as razões pelas quais tal riqueza não é amplamente explorada para fins eléctricos, nomeadamente através da adopção maciça de sistemas solares fotovoltaicos.

Quais os mitos que rodeiam esta tecnologia? Quais as oportunidades identificáveis no actual enquadramento de política energética nacional?

Os mitos da imaturidade tecnológica...
As tecnologias fotovoltaicas baseiam-se em materiais semi-condutores que permitem a transformação directa da radiação solar em energia eléctrica. O entusiasmo pelas aplicações terrestres de tecnologia fotovoltaica atingiu um auge na década de 70, no seguimento da crise de petróleo que a marcou. Acreditava-se então que a energia solar fotovoltaica poderia contribuir de modo significativo para satisfazer a procura mundial de energia eléctrica, o que deu origem a múltiplos programas de investigação destinados a ultrapassar duas barreiras tecnológicas fundamentais: o custo de produção e a eficiência de transformação. No entanto, a década de 80 trouxe consigo um mercado de petróleo estabilizado e um consequente arrefecimento do entusiasmo que rodeara estas tecnologias, enfatizado por avanços tecnológicos modestos que haviam sido alcançados após 10 anos de intensos esforços de investigação. O interesse genérico por energias renováveis ressurgiu então na década de 90, após a conferência do Rio e consequente institucionalização da sustentabilidade como paradigma de desenvolvimento.

Indiferente a estas oscilações de popularidade, a indústria fotovoltaica, embrionariamente estabelecida na década de 70, continuou nos bastidores uma busca incessante pela diminuição do custo e aumento de eficiência. Foram desde então alcançados avanços tecnológicos significativos ao nível dos materiais e dos processos produtivos. Dê-se como exemplo os painéis monocristalinos: em 1978 o custo de produção situava-se nos 21 euros/Wp (medida para o watt pico, ou seja, watt em potência de ponta) para eficiências da ordem dos 2 por cento, enquanto que em 2001 estimou-se um custo inferior a 4 euros/Wp para eficiências da ordem dos 14 por cento. Quando comparadas com outras tecnologias energéticas, as tecnologias fotovoltaicas apresentam uma das mais dinâmicas curvas de aprendizagem: historicamente tem-se verificado que para cada duplicação da capacidade instalada o custo tem sofrido uma redução de cerca de 35 por cento, o que deve ser confrontado com os 18 por cento conseguidos para as tecnologias eólicas. Entre 1990 e 2002 os volumes de produção aumentaram cerca de 10 vezes, o que representa uma taxa de crescimento anual média de 22 por cento. Em 2002, o volume de produção mundial de módulos cifrou-se em cerca de 480 MW (megawatts) e a capacidade instalada de produção ultrapassou os 790 MW, representando um crescimento superior a 50 por cento face ao reportado em 2001.

Não obstante todo este dinamismo, podemo-nos questionar se tal se traduz em maturidade tecnológica. Em termos de tecnologia cristalina, que representa cerca de 80 por cento do mercado fotovoltaico, é constatável que as unidades de produção há muito que abandonaram a escala piloto, embora sejam ainda expectáveis aumentos de rendimento e diminuições de custo. A este respeito note-se que foram alcançadas eficiências de 22 por cento para módulos cristalinos em ambiente pré-industrial e que se prevê que em 2010 se atinja um custo de produção entre 1 e 1,5 euros/Wp. Em termos de robustez, a tecnologia, senão madura, pode pelo menos ser considerada estável, como comprovam as garantias de 20 anos dadas pela maioria dos fabricantes.

... e das aplicações limitadas aos sistemas remotos
O mercado fotovoltaico tem sofrido alterações estruturais substanciais no que se refere às aplicações. Até ao início dos anos 90, o mercado era dominado pelas aplicações remotas, normalmente reconhecidas como sendo economicamente viáveis face a outras opções de electrificação. No entanto, nos meados da década de 90 começou a assistir-se ao aumento crescente da importância das aplicações ligadas à rede, especialmente as distribuídas, normalmente associadas a sistemas integrados em edifícios. Em 2001, este segmento absorveu mais de 50 por cento da produção mundial, sendo por isso tido como o actual impulsionador do crescimento do mercado fotovoltaico. A explosão deste tipo de aplicações deu-se maioritariamente em países desenvolvidos, caracterizados por elevadas densidades populacionais e/ou elevada cobertura de rede eléctrica. Na Europa, o caso paradigmático e exemplar é preconizado pela Alemanha, que apresentava em 2002 uma capacidade instalada acumulada de cerca de 220 MW, sendo também de referenciar os casos Suíços e Holandês. Estes mercados não se desenvolveram porém por si só, mas sim como resultado de políticas públicas de promoção concertadas e bem orientadas. Essas políticas públicas fundamentam-se no reconhecimento das oportunidades únicas que são oferecidas pelas tecnologias solares fotovoltaicas em ambiente construído. Intrinsecamente, estas aplicações dispensam a utilização de terrenos dedicados, o que se traduz também numa economia de investimento. Na sua integração em edifícios, os materiais fotovoltaicos podem substituir outros elementos construtivos, desempenhando assim funções adicionais à de produção de electricidade. Dado o perfil diário de produção, um sistema fotovoltaico num edifício pode ainda contribuir para a redução da compra de electricidade em horas de cheio, uma característica relevante numa situação de mercado liberalizado de electricidade. A discussão em torno da viabilidade económica deste tipo de aplicação vai assim muito além da mais valia energética, tornando não-linear o problema de análise de custo-benefício. Não obstante, seguindo uma análise convencional que não considere os benefícios adicionais, estima-se que o custo da electricidade produzida por um sistema de pequena dimensão (3 kWp), nas condições de insolação portuguesas, oscile entre 0,27 euros/kWh (kilowatt hora) e 0,40 euros/kWh. Estes valores consideram um período de amortização de 15 anos e um sistema optimamente orientado ao sol.

Oportunidades
O actual enquadramento de promoção de energias renováveis em Portugal consubstancia-se essencialmente em dois tipos de incentivos financeiros, à produção e ao investimento. No que respeita aos sistemas fotovoltaicos, o incentivo à produção de aproximadamente 0,5 euros/kWh (no regime de produtor independente para sistemas com potência inferior a 5 kWp) é sem dúvida atraente e, refira-se, idêntico em valor ao verificado na Alemanha. Independentemente de eventuais reformulações que aquele enquadramento necessite para que motive a dinamização do mercado, esta é uma oportunidade de negócio clara para quem em Portugal investe, ou pretenda investir, em sistemas energéticos. Em particular, a oportunidade oferecida pelo segmento dos edifícios é enfatizada, por um lado, pela constatação de que mais de 99 por cento dos alojamentos do Continente dispõem de ligação à rede eléctrica e, por outro, pelas perspectivas de crescimento do parque construído até 2030, contrariamente à tendência decrescente europeia.

Por outro lado, dando seguimento ao estabelecido na directiva comunitária 2001/77/CE, relativa à promoção de electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, foi estabelecida, na Resolução de Conselho de Ministros 63/2003 de 28 de Abril de 2003, uma meta de 150 MW de capacidade PV a ser instalada até 2010. Tendo em conta que se estima que a actual capacidade instalada é de 1,6 MW, este é um desafio para a indústria portuguesa, e outras entidades do sistema científico e tecnológico nacional, tirarem o maior partido possível das suas competências no sentido da incorporação de tecnologia nacional na prossecução da meta mencionada.


Comunidade Portuguesa de Ambientalistas
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